segunda-feira, 22 de abril de 2013

Meu último dia


Hoje foi o dia em que decidi retirar seu prato favorito de cima da mesa, de lavá-lo pela última vez, enxugá-lo e guardá-lo em uma gaveta. Retirei também os talheres, assim como empurrei sua cadeira para frente a fim de torná-la vaga.

Aquele seu cobertor predileto, fiz questão de doar para algum necessitado, pois percebi que você não precisava mais dele. Sua escova de dente foi descartada também, me desculpe também por isso.

Os objetos de decoração em cima da prateleira se encontram quebrados, assim como eu. Sabe aquela camisa que você me deu naquela noite? Esta mesma se encontra perdida, esquecida. E seria agradável se continuasse assim.

Nosso querido piano, presente de casamento, está em nosso lago em frente a nossa casa de veraneio, tocando nossa primeira música, afundando até o fundo do lago tocando aquelas notas.

Lilica morreu, e eu sinto muito por isso. Ela morreu de tristeza, ansiando pelo seu retorno, que para o azar dela, nunca aconteceu. Contudo Zeca ainda está lá, ainda fazendo questão de me acordar logo cedo com sua cantoria agora melancólica.

Ah, suas roupas foram queimadas, porém até hoje posso sentir o perfume que estavam nelas no nosso quarto. Maldito perfume.

Nossas fotos estão – confesso – mal conservadas, lamento mesmo, mas o tempo foi implacável nesse quesito. Mas eu faço questão de vê-las todos os dias, assim como toco nossos velhos discos e também quando tenho que escutar sua voz no gravador.

Acho que o que mais dói até hoje em sua ausência, é saber que não era isso que você mesma tinha prometido pra nós e para nosso filho.

Mas quando o jovem Gustavo sofreu aquele acidente no parquinho, eu simplesmente não pude mais fingir que eu poderia substituir o seu papel. Deixei-o com os meus pais, pois assim ele estaria, ao menos, com seu futuro garantido.

Decidi por meu último terno, e ainda assim senti sua falta me dizendo que a gravata está mal colocada e eu dizendo que não era nada demais.

Vou ao seu encontro, pois em este pensamento, é quando sou reconfortado com a premissa de te olhar mais uma vez em seus olhos e dizer: eu amo você.

domingo, 6 de janeiro de 2013

Paradoxo

Olhei para o relógio de parede. Era lindo, porém não parecia funcionar já a algum tempo. Estava com os ponteiros parados em duas e cinquenta e oito. Estava a cinco passos da porta, cheguei até lá em total transe: não sabia mais o que era e não era real. "Estou delirando" pensei. Abri a porta, andei por um corredor estreito com várias fotografias da vida de alguém que nunca havia visto.

Juro que não me recordava como havia parado ali, porém confesso que meu instinto de curiosidade estava aguçado nesse dia. Resolvi ir até a sala de estar, ver se encontrava alguém que fizesse com que tudo se encaixasse e como eu havia de ter parado ali.

Tudo o que vi foi um sofá com almofadas floridas, bonitas porém desbotadas. Vi uma vitrola empoeirada, uma janela grande, um radinho de pilha, vinis da The Andrews Sisters e uma cadeira de balanço. 

Fiquei lá um pouco e pensei "não era assim que eu imaginava que tudo terminaria". Olhei lá para fora e percebi que isso deveria ser um sonho, não podia ser possível. Resolvi sair, ir embora daquele lugar infestado de memórias. De quê adiantaria eu ficar lá para observar mais coisas? Ao passo que eu via de tudo, não via de nada ao mesmo tempo.